Carine Roos, CEO e fundadora da Newa. Crédito: Israel Pinheiro/Divulgação
Definitivamente existe um mundo do trabalho antes Covid e outro pós Covid. Não há dúvidas que o trabalho se tornou uma peça fundamental das nossas identidades culturais e individuais da vida moderna. Qual trabalho possuímos, que cargo ocupamos, quantas horas investimos do nosso tempo e o quanto conseguimos executar têm sido essenciais para o modo como as pessoas se enxergam estando diretamente ligado ao ego e ao senso de valor próprio. Qual é o seu nome e o que você faz tem sido as primeiras perguntas que fazemos a um novo conhecido e a nossa reação natural é julgar imediatamente as pessoas baseado em suas respostas.
É muito comum em empresas grandes colegas competirem entre si quem saiu mais tarde do escritório, quem teve que trabalhar aos finais de semana ou até um certo prestígio ao dizer que não teve nem tempo de almoçar ou ir ao banheiro. Logo pensamos: deve ser uma pessoa muito importante já que é tão ocupada. O vício em trabalhar é socialmente tolerado e se tornou um princípio orientador de vida tanto para pessoas do Ocidente quanto para do Oriente.
Home office é privilégio no Brasil
De acordo com a pesquisa FIA Employee Experience (FEEx), 90% das empresas no Brasil aderiram a alguma modalidade de home office — antes do coronavírus, menos da metade das empresas (43%) ofereciam opção de trabalho a distância e apenas 7% dos 150 mil funcionários que responderam aos questionários atuavam em home office.
Entretanto, estamos falando de uma pequena parcela da população brasileira que pôde adotar o home office. Conforme um estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no qual coletou-se dados entre maio e novembro de 2020, apenas 11% dos trabalhadores ativos no Brasil exerceram suas atividades profissionais de forma remota. Naquele período, 74 milhões de brasileiros estavam trabalhando no país e, dentre eles, 8,2 milhões atuavam na modalidade conhecida como home office. Ainda segundo a pesquisa, a maioria deles é do Sudeste, da cor branca e tem ensino superior completo.
Apesar da enorme desigualdade social existente em nosso país, não há dúvidas que a pandemia nos fez refletir profundamente sobre o significado do trabalho em nossas vidas. Seja para quem pediu demissão ou ficou desempregado, especialmente as pessoas mais vulneráveis de nossa sociedade como mulheres negras, a pausa forçada muitas vezes nos fez sair do piloto automático e refletir sobre o novo rumo que gostaríamos de dar em nossas vidas. Talvez realizar um trabalho que tenha mais significado, para quem fez home office e pôde experimentar maior qualidade de vida em menos horas de trânsito para o trabalho, ou até mesmo avaliar a mudança de emprego para um trabalho que dê mais flexibilidade, satisfação e a busca por um ambiente mais saudável.
Não é só sobre dinheiro é também sobre qualidade de vida
Segundo o estudo publicado pela Mckinsey, intitulado “Great Attrition or Great Attraction? The choice is yours”, mais de 15 milhões de trabalhadores americanos deixaram seus empregos desde abril de 2021, um ritmo recorde interrompendo negócios em todos os lugares. As empresas estão lutando para resolver o problema, e muitas continuarão a lutar por uma razão simples: elas não entendem realmente por que seus funcionários estão saindo. Em vez de investir tempo investigando as verdadeiras causas do desligamento, muitas empresas estão adotando soluções rápidas e bem-intencionadas que não dão certo: por exemplo, estão focando em aumentar os salários ou vantagens financeiras, como oferecer bônus de “agradecimento” sem fazer nenhum esforço para fortalecer as conexões e os vínculos das pessoas com seus colegas e empregadores. O resultado é que em vez de sentirem apreciação e valorização, os colaboradores percebem uma relação puramente comercial em que as suas reais necessidades não estão sendo colocadas em primeiro plano.
Na pesquisa conduzida pela consultoria, 40% dos funcionários disseram que têm pelo menos alguma probabilidade de pedir demissão nos próximos 3 a 6 meses. Desses, 18% dos entrevistados disseram que suas intenções variam de prováveis a quase certas. Essas descobertas ocorreram em todos os 5 países pesquisados (Austrália, Canadá, Cingapura, Reino Unido e Estados Unidos) e foram consistentes em todos os setores. As empresas do setor de lazer e hospitalidade são as que mais correm o risco de perder funcionários, mas muitos trabalhadores da área de saúde e em escritórios afirmam que também planejam pedir demissão. Mesmo entre os educadores, quase um terço relatou que têm pelo menos certa probabilidade de fazê-lo.
A tendência tende a persistir já que 53% dos empregadores disseram que estão experimentando desligamento voluntário maior do que nos anos anteriores, e 64% acreditam que esse cenário permaneça ou piore nos próximos 6 meses. Entre os funcionários da pesquisa, 36% haviam pedido demissão nos últimos 6 meses sem ter um novo emprego em mãos.
Os CEOs podem ficar tentados a se consolar com o fato de que 60% dos funcionários da pesquisa disseram que não tinham nenhuma probabilidade de pedir demissão nos próximos 3 a 6 meses. Entretanto, os empregadores também não devem considerar esses 60% como garantidos já que as opções estão aumentando e, com cada vez mais empregadores oferecendo opções de trabalho remoto para talentos com mão de obra escassa, esses funcionários podem mudar suas intenções.
O curioso da pesquisa é que entre os funcionários que disseram que não tinham nenhuma probabilidade de pedir demissão, 65% relataram que o principal motivo para permanecer no emprego era que gostavam de onde moravam. Mas entre os entrevistados que aceitaram novos empregos em novas cidades durante os últimos 6 meses, quase 90% não tiveram que se mudar, porque muitas outras empresas estão permitindo o trabalho remoto. Isso mostra uma mudança drástica: as pessoas estão buscando por mais qualidade de vida e estão dispostas a saírem de seus trabalho caso tenham que retornar ao trabalho presencial ou híbrido.
Entendendo os reais motivos do desligamento
É crucial que as lideranças entendam o real motivo do desligamento de seus colaboradores. Na pesquisa muitos citaram ausência de equilíbrio entre vida pessoal e profissional e saúde física e emocional precária. Essas questões eram fundamentais para os funcionários – mas não tanto quanto os empregadores acreditavam. Os três principais fatores que os trabalhadores citaram como motivos para desistir foram: não se sentiam valorizados por suas organizações (54%) ou seus gerentes (52%) ou porque não tinham um sentimento de pertencimento no trabalho (51%). É fundamental destacar que os funcionários que se classificaram como não-brancos ou multirraciais eram mais propensos do que seus colegas brancos a dizer que haviam saído porque não se sentiam pertencentes a suas empresas.
Por mais lideranças compassivas
Os dados mais do que nunca escancaram uma realidade brutal: a ausência de compaixão das lideranças para com seus funcionários. Um interesse genuíno por saber e se sensibilizar sobre como os seus funcionários estão no ambiente de trabalho, o seu estado emocional, como imprimir maior qualidade de vida para quem dá o seu coração para a empresa, como a organização pode apoiar esses colaboradores a uma vida com mais significado e propósito. Como essas lideranças podem ser verdadeiros veículos de transformação na vida desses colaboradores. Eu não tenho dúvidas que o caminho para a regeneração das empresas é pela compaixão com lideranças conectadas aos seus times fornecendo escuta ativa, flexibilidade, conexão, senso de unidade, propósito e oportunidades de desenvolvimento que as pessoas tanto desejam.
Como diz Roshi Joan Halifax, professora zen-budista americana, antropóloga, ativista de direitos civis e escritora do livro À Beira do Abismo, “nossa identidade mais profunda reside menos no que fazemos e mais em como mantemos o que fazemos – em como nos envolvemos com nosso trabalho, seja colocando tijolos, fazendo leis ou nos sentando com pessoas que estão morrendo”.
Sobre Carine Roos:
A profissional é especialista em Diversidade, Equidade e Inclusão há 10 anos. Ela é CEO e fundadora da Newa Consultoria, uma empresa de impacto social que prepara organizações para um futuro mais inclusivo por meio de sensibilizações, workshops, treinamentos e consultoria de diversidade. Mais de 12 mil pessoas foram impactadas em vivências com mais de três mil horas em salas de aula e mais de 2 mil mulheres mentoradas, que hoje estão mais seguras, mais estratégicas, mais reconectadas com a sua história e com a sua essência. À frente da Newa, Carine tem como missão preparar líderes para que a Diversidade e a Inclusão sejam uma realidade imediata nas organizações.